terça-feira, 2 de novembro de 2010

Resenha crítica dos livros “Totem e tabu” e “Édipo Rei” sob o enfoque do Complexo de Édipo

O clássico de Sigmund Freud, “Totem e tabu”, até hoje desafia e aguça os estudiosos por se tratar de uma obra que explica as relações humanas de um grupo de aborígenes australianos, por meio do totem, que seria um animal, raramente um vegetal, um fenômeno da natureza (chuva, vento) ou um objeto, que mantém relação peculiar com todo o clã. Sendo o respeito a este sagrado e irrestrito, e a sua violação um tabu, podendo ser imposto ao seu infrator à pena de morte em caso de descumprimento das obrigações a eles impostas.

O caráter totêmico é incorporado ao clã, e as obrigações devem ser estendidas a todos da tribo, que de tempos em tempos representam e imitam os movimentos e atributos de seu totem em danças e cerimônias.

A relação de um clã com seu totem seria a base de todas as suas obrigações sociais, sobrepondo até mesmo às suas relações sociais e sanguíneas, que chegam ao ápice, na lei ou norma contra as relações sexuais entre pessoas do mesmo totem e, conseqüentemente, contra o seu casamento incestuoso, impondo a exogamia, que seria uma ordenação sagrada de origem desconhecida.

Na mitologia grega o tema do incesto foi tratado na obra Édipo Rei, de Sófocles. Traçando um paralelo entre a tragédia grega e o horror de relações sexuais entre parentes próximos ou afins, do clássico Totem e tabu, de Freud, o personagem Édipo Rei, ao descobrir que contraiu matrimônio com sua própria mãe, Jocasta, e que havia matado seu pai, Laio, num duelo, fura os seus próprios olhos (talvez um limite de sua época para resistir aos sentimentos de horror que sentira) para não ver mais a sua cidade, Tebas, que estava sofrendo um período de desgraça por sua causa. Jocasta, ao saber de tudo, se suicida.

Na verdade ele não queria mais ver a si próprio, pois tinha horror do que tinha feito, mesmo sabendo que não tinha como imaginar que eles eram seus pais verdadeiros, pois quando ainda recém nascido fora abandonado em cidade distante de Tebas a mando deles (sendo então criado por outra família, que nunca havia lhe dito a sua história), pois estava, segundo um adivinho acometido de uma maldição - que seria a de matar o próprio pai, e casar-se com a própria mãe - entretanto, quem ficou de por termo a sua vida teve compaixão e apenas lhe enviou para longe, acreditando que o guru estava blefando, e que o destino não iria ser tão cruel, a ponto de persegui-lo onde quer que ele estivesse.
Assim, a tragédia grega, teria certa semelhança com o conjunto rigoroso de regras de totem e tabu, o que é esclarecido pelas passagens do clássico Freudiano que afirma que na Nova Bretanha - a moça que se casava era proibida de conversar com o irmão e nunca mais poderia designar o nome dele, ou então, na Nova Caledônia - um irmão e uma irmã que se encontrassem num caminho, que a mesma deveria esconder -se dentro do mato e ele passar sem virar a cabeça.

Desta forma, pode-se notar que independente dos povos (a proibição para uma tribo podia ser o relacionamento sexual entre pai e filha, enquanto em outra a proibição se dava entre genro e sogra; em outra, apenas entre irmãos) e da época (Grécia mitológica até aos tempos atuais) que se vive, que o incesto ou Complexo de Édipo sempre causou e continua causando sentimentos de angústia, tormento e horror nos homens, sendo uma lei inconsciente de todos, não “podendo ser posta em questão”, não se sabendo ao certo o motivo de tal proibição, mas que causa espanto até mesmo quando o oráculo na Grécia de Sófocles previu o futuro de uma relação incestuosa.

Desta forma, os dois autores utilizaram-se do tema para suscitar uma reflexão sobre a questão da culpa e da responsabilidade perante as normas, éticas e tabus estabelecidos pelas sociedades, que se traduziria em comportamentos que, dentro dos costumes de uma comunidade, seriam considerados nocivos e lesivos a normalidade, sendo, por isto, vistos como perigosos, devendo ser proibidos aos seus membros.

O Complexo de Édipo costuma se manifestar, inconscientemente, na criança, do terceiro ao sexto ano, mais especificamente na fase de Desenvolvimento psicossexual fálica ou segunda infância.

Nessa fase, a criança descobre as diferenças sexuais, devido o prazer se concentrar nos orgãos genitais. Assim, a criança sente libido e atração (não apenas no sentindo sexual, mas também no que lhe resulta em prazer) pelo progenitor do sexo oposto (não necessariamente o pai, bastando que a pessoa desvie a atenção que ela tem para com o filho), dentro do ambiente familiar, sentindo o do mesmo sexo como rival, resultando em sentimentos contraditórios, onde figurará ódio e amor na sua moeda pessoal, sendo estes sentimentos, talvez, a essência do conflito do ser humano.
Neste período, a criança começa a entrar em contato com algumas situações em que sofre interdições, facilmente exemplificadas pelas proibições que começam a acontecer nesta idade, quando percebem que não são mais o centro das atenções.

Ao superar esta fase, a criança é capaz de se identificar com a figura do mesmo sexo, a qual passa a ser um referencial para ela na construção de sua identidade sexual. Também é momento em que o ego (adapatação a realidade) e o superego (julgador moral interno) ganham contornos mais definidos. Seu correspondente psicossocial gera conceitos como a iniciativa e culpabilidade. Falhas no desenvolvimento da referida fase resultarão em dificuldade de identificação sexual e de relacionamentos com o sexo oposto. A fixação nesta fase manifesta-se, por exemplo, pelo comportamento de sedução.

Por fim, o Édipo mal resolvido pode viver num mundo de angústia pessoal, tristezas sem fim, neuroses, perversões e outras formas de distúrbios psíquicos e de comportamento egoísticos originados da disputa inconsciente da criança com a pessoa que desviou a atenção a ser dada pela mãe ou pai.

Desta forma, o tabu em relação ao incesto seria mais antigo que os deuses e remontaria a um período anterior a existência de qualquer espécie de norma moral, religiosa e até mesmo jurídica, sendo ele uma norma inconsciente.

O complexo de Édipo seria a lei do pai, proposta por Lacan, ou seja, a primeira lei do indivíduo - a norma fundamental por excelência- que o estrutura enquanto sujeito, e lhe proporciona o acesso à linguagem, e que seria para a psicologia e para sociedade, a referida norma por excelência, aquela que possibilitou a existência da lei jurídica proposta por Hans Kelsen, e que pode lançar luz sobre a origem obscura de nosso próprio imperativo categórico.